O diretor não associado nas cooperativas
A suposta vedação de diretores não cooperados impede a profissionalização da administração e da gestão das sociedades cooperativas
Dentre os diversos tipos societários, certamente um dos menos comentados é o das sociedades cooperativas. Apesar de sua natureza pessoal e enquadrar-se, por definição legal, como sociedade simples, entretanto, nada de simples costuma ser o relacionamento entre os associados da cooperativa e o associados que exercem cargos dos órgãos de administração, cuja administração pauta-se, em geral, numa conduta não profissional.
As cooperativas abarcam hoje diversas atividades, algumas com intuito altamente empresarial, tais como cooperativas de assistência médica, serviços de taxis, transportes, atividades agrárias, sendo que algumas poucas terminaram por formar grandes negócios em suas áreas de atuação. É impossível negar que muitas das sociedades cooperativas são verdadeiras empresas, com receitas elevadas e atuando em mercados competitivos de agentes privados altamente eficientes e qualificados, pedindo por uma urgente profissionalização de sua gestão, para estarem aptas a competirem em condições de igualdade.
Apesar da complexidade dos negócios relacionados às sociedades cooperativas, por um erro de interpretação que está se perpetuando no tempo, a gestão dessas é feita necessariamente por associados, os quais, nem sempre com as devidas competências gerenciais que seriam necessárias ao bom exercício da administração e gestão.
A suposta vedação de diretores não cooperados impede a profissionalização da administração e da gestão das sociedades cooperativas, deixando-as à mercê de profissionais cujo ramo de especialização não é relacionado à gestão de negócios, bem como consiste em limitação à capacidade de concorrer com agentes econômicos que contam com gestores altamente especializados.
A suposta vedação de diretores não cooperados impede a profissionalização
A administração das sociedades cooperativas cabe a uma diretoria ou a um conselho de administração, ou, como é comum, a um conselho de administração e uma diretoria, conforme previsto na Lei das Cooperativas (Lei nº 5.764/71). Costuma ser engano comum entender que tanto diretoria quanto conselho de administração devem ser compostos por associados. Tal entendimento é consolidado pela prática e previsto em normas infralegais, em especial no Manual de Atos de Registro das Cooperativas, aprovado pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), na Instrução Normativa nº 101, de 2006, ("Manual das Cooperativas"), o qual prevê no capítulo relativo aos órgãos de administração das cooperativas que tanto conselho de administração quanto diretoria devem ser compostos por membros cooperados. Entretanto, tal regulamentação pauta-se numa equivocada interpretação de disposições da Lei das Cooperativas. De acordo com o Manual das Cooperativas, a obrigatoriedade que diretoria e conselho de administração sejam formados apenas por associados adviria dos arts. 47 e 48 da Lei das Cooperativas. Tais artigos, entretanto, não possuem nenhuma vedação expressa para que cargos da diretoria sejam ocupados por não associados, restringindo-se a vedação ao conselho de administração, como se denota da redação desse artigo "Art. 47. A sociedade será administrada por uma diretoria ou conselho de administração, composto exclusivamente de associados eleitos pela assembleia-geral, com mandato nunca superior a quatro anos, sendo obrigatória a renovação de, no mínimo um terço do conselho de administração".
O art. 47 da Lei das Cooperativas prevê que o conselho de administração será composto exclusivamente por associados eleitos em assembleia-geral, não restringindo à diretoria a observância desses requisitos. A expressão que vedaria o acesso a cargos na diretoria a pessoas estranhas ao quadro associativo seria "composto exclusivamente", ocorre que, tal expressão, ao estar no singular não no plural, abarca apenas o conselho de administração, não a diretoria.
Ainda suprindo-nos de instrumentos relativos à interpretação sistemática, a Lei das Cooperativas quando se refere conjuntamente à diretoria e conselho de administração utiliza a expressão "órgãos da administração", partindo dessa premissa, ao utilizar no art. 47 da Lei das Cooperativas "diretoria" e "conselho de administração", ao contrário de "órgãos da administração", restringindo apenas ao conselho de administração a necessidade de ser o administrador associado da cooperativa. Isso torna claro que há distinção nas características necessárias para ocupar cargos nos diferentes órgãos da administração. Os conselheiros devem ser associados enquanto os diretores não necessariamente, conforme era previsto na Lei das Sociedades Anônimas até o advento da Lei nº 12.431, de 2011, que eliminou a necessidade dos membros do conselho de administração serem acionistas da companhia.
Dessa forma, mesmo com o entendimento formal das Juntas Comerciais em sentido oposto, parece-nos que não há vedação à possibilidade de contratação de diretores não associados, de forma que se abre espaço para a profissionalização da administração das cooperativas, com a contratação de profissionais de mercado para conduzirem os negócios das sociedades cooperativas, instrumento que, se bem utilizado, pode ser um grande passo para profissionalização das cooperativas e importando em ganhos de competitividade aos cooperados e ao próprio mercado, que ganhará um novo agente capaz de competir em igualdade.
Luiz Antonio Varela Donelli é advogado, master in International Business Law pela Esade Business School (Barcelona/Espanha) e certificado em direito transnacional pelo Center of Transnational Studies da Georgetown Law School (Londres/Reino Unido)